terça-feira, 30 de outubro de 2007

Cora por ela mesma


pintura de cora coralina feita pela artista Ary Salles, outros trabalhos estão a venda no site : http://www.lojadearte.com.br


Mais uma vez cora coralina despeja seus fantasmas em um poema auto biográfico, onde fala sobre tudo o que levou a formação de sua personalidade, da escritora à doceira, da pobreza à riqueza intelectual, do bucolismo e da identificação com a natureza de sua região à sociedade sádica e preconceituosa de sua época, podemos observar que a poetisa jamais se considerou uma grande escritora e sim uma cozinheira que por ela é chamada de a mais nobre de todas as artes.


Cora Coralina, quem é você?


Sou mulher como outra qualquer.

Venho do século passado

E trago comigo todas as idades.


Nasci numa rebaixada de serra

entre serras e morros.

“Longe de todos os lugares”.

Numa cidade de onde levaram

o ouro e deixaram as pedras.


Junto a estas decorreram

a minha infância e adolescência.


Aos meus anseios respondiam

as escarpas agrestes.

E eu fechada dentro

da imensa serrania

que se azulava na distancia

longínqua.


Numa ânsia de vida eu abria

o vôo nas asas impossíveis

do sonho.


Venho do século passado.

Pertenço a uma geração

ponte, entre a libertação

dos escravos e o trabalhador livre.

Entre a monarquia

caída e a republica

que se instalava.


Todo o ranço do passado era

presente.

A brutalidade, a incompreensão, a ignorância, o carrancismo.

Os castigos corporais.

Nas casas. Nas escolas.

Nos quartéis e nas roças.

A criança não tinha vez,

os adultos eram sádicos

aplicavam castigos humilhantes.


Tive uma velha mestra que já

havia ensinado uma geração

antes da minha.

Os métodos de ensino eram

antiquados e aprendi as letras

em livros superados de que

ninguém mais fala.


Nunca os algarismos me

entraram no entendimento.

De certo pela pobreza que marcaria

para sempre a minha vida.

Precisei pouco dos números.


Sendo eu mais doméstica do

que intelectual,

Não escrevo jamais de forma

consciente e raciocinada, e sim

impelida por um impulso incontrolável.

Sendo assim, tenho a

consciência de ser autêntica.


Nasci para escrever, mas, o meio,

o tempo, as criaturas e fatores

outros, contramarcaram minha vida.


Sou mais doceira e cozinheira

do que escritora, sendo a culinária

A mais nobre de todas as Artes:

objetiva, concreta, jamais abstrata

a que está ligada à vida e

à saúde humana.


Nunca recebi estímulos familiares para ser literata.

Sempre houve na família, senão uma

hostilidade, pelo menos uma reserva determinada

a essa minha tendência inata.

Talvez, por tudo isso e muito mais,

sinta dentro de mim, no fundo dos meus

reservatórios secretos, um vago desejo de analfabetismo.

Sobrevivi, me recompondo aos

bocados, à dura compreensão dos

rígidos preconceitos do passado.


Preconceitos de classe.

Preconceitos de cor e de família.

Preconceitos econômicos.

Férreos preconceitos sociais.

A escola da vida me suplementou

as deficiências da escola primária

que outras o Destino não me deu.


Foi assim que cheguei a este livro

sem referencias a mencionar.


Nem menção honrosa.

Nenhuma Láurea.


Apenas a autenticidade da minha

poesia arrancada aos pedaços

do fundo da minha sensibilidade,

e este anseio:

procuro superar todos os dias

Minha própria personalidade

renovada,

despedaçando dentro de mim

tudo o que é velho e morto.


Luta, a palavra vibrante

que levanta os fracos

e determina os fortes.


Quem sentirá a Vida

destas páginas..

Gerações que hão de vir

de gerações que vão nascer.

(Cora coralina: Meu Livro de Cordel.) Global Editora e Distribuidora Ltda

terça-feira, 16 de outubro de 2007

A alma de Aninha

O quarto de Cora Coralina.


Cora Coralina revela um atormentado eu lirico aos seus leitores com sua poesia de forte conteúdo psicológico social. A poetisa em “Minha Infância”, “Vintém de Cobre”, “Todas as Vidas”, “Minha Cidade” e “Antiguidade”, retorna ao seu interior, isto é, as suas experiências da infância e juventude, nos mostra com intensa qualidade lírica os costumes dos adultos de sua época em relação a educação dos filhos, seu desconforto com a própria aparência e as transformações comportamentais e fisicas na sociedade. Algumas dessas passagens podem ser confirmadas nos trechos desses poemas encontrados na obra Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. Veja as citações desses trechos:



· “Minha Cidade”


“Eu sou a dureza desses morros,


revestidos,


enflorados,


lascados a machado,


lanhados, lacerados.


Queimados pelo fogo.


Pastados


Calcinados


e renascidos.


Minha vida,


meus sentidos,


minha estética


todas as vibrações


de minha sensibilidade de mulher,


têm, aqui, suas raízes.



Eu sou a menina feia


da ponte da Lapa.


Eu sou Aninha”







· “Antiguidades”



“ Criança, no meu tempo de criança,


não valia mesmo nada.


A gente grande de casa


usava e abusava


de pretensos direitos


de educação”.






· “Vitém de Cobre”

“O tempo foi passando, foi levando:


Minha bisavó, meu avô, minha mãe, minhas irmãs.


A velha casa.


Os velhos preconceitos


De cor, de classe, de família.


O tempo, velho tempo que passou,


Nivelou muros e monturos.


Remarcou dentro de mim


A menina magricela, amarela


Do tempo do cinquinho”.






· “Minha Infância”



“Sem carinho de Mãe.


Sem proteção de Pai...


- melhor fora não ter nascido.



E nunca realizei nada na vida.


Sempre a inferioridade me tolheu.


E foi assim, sem luta, que me acomodei


Na mediocridade de meu destino”.



segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O Chamado das Pedras

A estrada esta deserta

Vou caminhando sozinha

Ninguém me espera no caminho

Ninguém acende a luz

A velha candeia de azeite

De a muito se apagou

Tudo deserto

A longa caminhada

A longa noite escura

Ninguém me estende a mão

E as mãos atiram pedras

Sozinha...

Errada a estrada

No frio, no escuro, no abandono.

Tateio em volta e procuro a luz.

Meus olhos estão fechados

Meus olhos estão cegos

Vêm do passado

Num bramido de dor

Num espasmo de agonia

Ouço um vagido de criança

É meu filho que acaba de nascer

Sozinha...

Na estrada deserta,

sempre a procurar

O perdido tempo

que ficou pra trás.

Do perdido tempo.

Do passado tempo

Escuto a voz das pedras:

Volta... Volta... Volta...

E os morros abriam para mim

Imensos braços vegetais.

E os sinos das igrejas

Que ouviam na distância

Diziam: Vem... Vem... Vem...

E as rolinhas fogo-pagou

Das velhas cumeeiras:

Porque não voltou...

Porque não voltou...

E a água do rio que corria

chamava...chamava...

vestida de cabelos brancos

voltei sozinha à velha casa, deserta.


Abaixo vocês podem assistir á um ótimo documentário feito pelo diretor e fotógrafo Waldir de Pina para o programa Curtas na TV. Com relatos de conhecidos, amigos e da própria escritora sobre as pedras encontradas nos caminhos de sua vida, seus sonhos, desejos e planos.

Documentário "o chamado das pedras" sobre a poetisa Cora Coralina, encontrado no Google Videos

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